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quarta-feira, 3 de março de 2010




Que Brasil é este?

Valor Econômico

Por Marta Barcellos, do Rio
26/02/2010

O censo demográfico de 2010 ainda não começou, mas um Brasil bem diferente do de dez anos atrás já surge do processo que mobilizará 190 mil recenseadores e 58 milhões de entrevistados a partir de agosto. Neste novo Brasil, a utilização ou não de serviços de internet e telefonia celular ajudará a identificar as condições socioeconômicas das famílias - um papel que cabia ao videocassete e ao forno de microondas em 2000. Neste novo país, ainda, o entrevistado pelo censo poderá se identificar como "cônjuge do mesmo sexo" da pessoa de referência no domicílio (e não mais "o responsável", já que existe a responsabilidade compartilhada). Será indagado sobre rendimentos provenientes do Bolsa Família, parentes que foram tentar a sorte em países estrangeiros e tempo despendido no trajeto de casa até o trabalho ou à escola - questões não investigadas na década anterior.

Se é verdade que se deve julgar um homem por suas perguntas, mais que por suas respostas, como dizia Voltaire, no caso de um país as questões escolhidas para radiografá-lo na maior pesquisa populacional também podem dizer muito sobre ele. As perguntas que constam no questionário final do censo, aprovado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) depois de dez meses de debates, revelam alguns dos pressupostos sobre as mudanças de arranjos familiares, movimentações demográficas e hábitos da população, além de refletirem demandas por políticas públicas e privadas que surgiram em função dessas transformações. Longe de serem "chutes", essas suposições tiveram por base tendências já detectadas em pesquisas menos abrangentes - como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do próprio IBGE, que abrange 140 mil domicílios -, levantamentos específicos feitos por instituições privadas e governamentais e também pressões políticas pela inclusão de perguntas consideradas importantes por ministérios e por segmentos da sociedade organizada.

"Não precisa dizer que é importante", costumavam avisar os técnicos do IBGE no início dos debates realizados a partir de 9 mil sugestões de temas recebidos pelo instituto. "Como tudo é importante, precisávamos olhar o que era viável", afirma o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, dando uma amostra da habilidade política que foi necessária na condução do processo. Na prática, a maioria das propostas era descartada com o argumento de ser mais adequada a pesquisa por amostragem, e não levantamentos que varrem territorialmente o país. Todos os domicílios dos 5.565 municípios brasileiros serão entrevistados ao longo de dois meses, pelo menos em tese. Como a inclusão de novos quesitos implica também aumento do tempo de entrevista, ou retirada de perguntas já consolidadas em censos anteriores, a tradição acabou prevalecendo. Os grupos de homossexuais, por exemplo, não tiveram atendida a reivindicação de inclusão de um quesito específico sobre orientação sexual - embora desde a contagem da população de 2007, feita com questionário simplificado, exista a possibilidade de identificação de um morador como cônjuge do mesmo sexo de outro. Da mesma forma, outros temas delicados propostos, como aborto ou consumo de drogas, ficaram só na pretensão de grupos específicos.

Para testar a eficiência de novas perguntas, foram realizadas provas-piloto em áreas pequenas, no caso de assuntos como população indígena e portadores de deficiências, que já eram investigados pelo censo. Foi assim, por exemplo, que uma pergunta sobre a capacidade do morador de cuidar de si próprio em atividades como vestir-se e tomar banho, considerada importante por especialistas da área, chegou a ser testada e incluída, mas acabou eliminada no enxugamento final do questionário, junto com pelo menos outros dez itens. "Em uma operação complexa como o censo, o tamanho extenso do questionário faz tanto o entrevistado como o entrevistador perderem rendimento", justifica Pereira Nunes, que calcula em 40 minutos o tempo gasto pelos recenseadores para aplicar o formulário mais detalhado do censo. "Preferimos retirar algumas perguntas a blocos inteiros de temas."

Mesmo com tantos filtros, o censo de 2010 terá novidades importantes, emblemáticas da complexidade e da dimensão do país. Ao mesmo tempo em que as línguas indígenas do Brasil rural serão pesquisadas e mapeadas pela primeira vez - uma demanda de demógrafos, áreas do governo que tratam da questão territorial e linguistas, que estimam em 180 os idiomas falados pelos índios -, nas áreas urbanas os moradores terão a chance de revelar quanto tempo gastam de casa até o local de trabalho e estudo. Em ambos os casos, os dados serão valiosos para orientar políticas públicas nas áreas de habitação e transporte. "A priori, não posso afirmar que políticas específicas vão utilizar esses dados, mas o próprio desenho do questionário é produto da integração com ministérios, especialistas e usuários interessados nas informações", diz o presidente do IBGE.

Diante da amplitude e da profundidade do recenseamento, pode-se concluir que não será por falta de informação que políticas eficientes e focadas deixarão de ser executadas. Como a pesquisa de 2010 será georreferenciada, permitindo a localização de cada residência digitalmente, os dados estatísticos poderão ser cruzados com os geográficos, permitindo os mais diversos recortes e estudos. "Numa área em que as crianças estão muito dispersas, por exemplo, pode-se concluir que um bom sistema de transporte é mais importante do que construir uma escola", diz Pereira Nunes.

Mesmo sem precisão espacial, dados semelhantes a esses já eram utilizados de forma rotineira para municípios programarem campanhas de vacinação ou abertura de vagas em escolas, conta o demógrafo Antônio Marangoni, da Fundação Seade, que produz análises e pesquisas a partir dos dados do censo. "Neste período que precede um novo censo, algumas ações chegam a ser adiadas, à espera dos dados atualizados, porque aumenta o risco de subestimarmos o número de vagas necessárias no ensino médio, por exemplo."

Orgulhosos de estimativas precisas feitas a partir de dados nem sempre atuais, os demógrafos amargaram algumas surpresas quando foram revelados os números do censo de 2000. "Percebeu-se uma diferença que só podia ser explicada pela emigração internacional", diz Marangoni. Foi a partir da constatação de que o Brasil, tradicional receptor, poderia estar se tornando um país cedente de imigrantes, que a sugestão de se incluir o tema da emigração foi acolhida - apesar da dificuldade de se chegar a números conclusivos, mesmo com cruzamentos com informações do Ministério das Relações Exteriores e de consulados. Como a pergunta será "Alguma pessoa que morava com você está morando em outro país?", as famílias que viajaram sem deixar parentes não serão contabilizadas. "De qualquer forma, vamos compreender melhor os brasileiros emigrantes, de onde saíram, para onde foram e quando. Continuávamos medindo os estrangeiros que entravam, mas nunca perguntamos sobre os que saíram. Talvez esse saldo hoje seja diferente", diz o presidente do IBGE.

Mais que tudo, porém, está em jogo a projeção da população brasileira para os próximos anos. "As tendências demográficas do país estão bastante aceleradas", diz o geógrafo e economista Cláudio Antonio Gonçalves Egler, professor da UFRJ e membro da comissão consultiva do censo 2010, formada por especialistas que assessoram o IBGE desde abril. "Nosso padrão demográfico está cada vez mais distante da pirâmide etária dos países em desenvolvimento, caminhando para o padrão europeu. Isso vai mudar a face das cidades e determinar a demanda por outros tipos de serviços." Egler diz que o Brasil ainda precisa se acostumar à ideia de mudança na estrutura etária, uma percepção confirmada pela experiência de Marangoni, na Fundação Seade, quando faz estudos para prefeituras do interior do Estado de São Paulo. "Às vezes, um município acredita que estão faltando crianças na escola. Aí confirmamos a redução, e é preciso até eliminar uma classe inteira."

Durante os debates sobre o conteúdo do recenseamento, Egler, que já tinha participado da equipe de avaliação da sustentabilidade do Plano Plurianual (PPA) do governo federal, foi um dos defensores de uma ênfase maior nas questões relacionadas à energia. "A disponibilidade de informações do censo vai ajudar no planejamento de longo prazo do próximo PPA", afirma. Ele elogia as inovações do questionário, justifica os ajustes finais que eliminaram itens, mas ressalta que "a questão da sustentabilidade ainda é exploratória no Censo 2010". "Este será o censo das políticas sociais", diz Egler. "Espero que o próximo seja o censo da sustentabilidade."

Os avanços sociais e econômicos da última década de fato devem ganhar destaque quando os primeiros resultados do censo forem divulgados no final do ano, depois das eleições. "Teremos leituras exaustivas das comparações entre 2010 e 2000", prevê Pereira Nunes. Muitas das grandes transformações serão explicadas por pesquisas anuais que já apontavam tendências como a eletrificação ou a inclusão digital. Os números devem impressionar, mas não surpreender. As surpresas maiores tendem a vir de questões incluídas pela primeira vez no censo, como no caso dos itens sobre deslocamento, emigração e línguas indígenas. Mesmo em quesitos já explorados, há alguma expectativa em relação a perguntas que foram acrescentadas, no intuito de aperfeiçoar a investigação dos temas. No bloco "trabalho e rendimento", por exemplo, a situação do morador que já se declarou como desempregado, em busca de uma vaga, agora é checada com outra indagação: "Se tivesse conseguido trabalho, estaria disponível para assumi-lo na semana que vem?" Na pergunta subsequente, sobre renda mensal, o mesmo morador vai responder se recebe especificamente rendimentos do Bolsa Família, do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e outros programas sociais ou de transferências.

Não é difícil imaginar que o cruzamento de informações desse tipo possa apontar a eficácia, ou as fragilidades, de programas sociais do governo, relacionando-os também a consumo e escolaridade. Pereira Nunes, no entanto, diz que os aperfeiçoamentos na metodologia que apura informações sobre renda e emprego, assim como em outros temas, apenas acompanham as novas recomendações internacionais - no caso, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). "Se a pessoa disser que está procurando emprego e depois que está disponível para assumi-lo, é considerada desempregada. Se não estiver disponível, não vai ser computada. É uma forma de filtrar melhor o conceito de emprego e desemprego."

A medição de rendimentos é uma das peculiaridades do recenseamento brasileiro. "É muito difícil de perguntar", observa o presidente do instituto. Mesmo que sejam revelados com pouca exatidão, os valores podem ser cruzados com outros levantamentos, como Pnad e Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), e são fundamentais para os cálculos das contas nacionais - que, dessa forma, consideram a chamada economia informal.

Em outros países, sem tanta informalidade, o constrangimento de perguntar sobre renda costuma ser evitado, como ficou evidente no contato que os técnicos do IBGE tiveram com observadores internacionais que acompanharam um censo experimental realizado no ano passado no município de Rio Claro (SP). Os representantes de institutos de estatística de Angola, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, México, Equador, Peru, Venezuela, Colômbia e República Dominicana estavam especialmente interessados na parte tecnológica e operacional do censo, mas as diferenças culturais também entraram nas rodas de discussão. Aos olhos estrangeiros, o censo brasileiro pode parecer exótico, não somente por tratar de questões indígenas e urbanas, como por dispensar igual atenção a assuntos considerados tabu em muitos países, como cor da pele e religião. "Na Europa, são temas excluídos, por causa da história de guerras e perseguição político-religiosa, mas aqui tratamos com muita naturalidade", explica Pereira Nunes.

Do ponto de vista prático, o maior interesse em relação ao Censo 2010 deve recair sobre o mapeamento da chamada "nova classe média" brasileira, já que as maiores usuárias dos microdados do IBGE são as empresas de pesquisa de mercado, que orientam os investimentos de redes varejistas, indústrias de bens de consumo, empreendedores de shopping centers, instituições bancárias e de telecomunicações. Com a novidade do georreferenciamento, localizar com precisão os potenciais consumidores (que hoje anseiam por internet e celular, e não mais por videocassete e microondas) ficará muito mais fácil. Ou seja, se as aguardadas políticas públicas não vierem, as ações da iniciativa privada parecem garantidas.

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