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quinta-feira, 21 de maio de 2009

DOS PROCESSOS NATURALMENTE HUMANOS



*Leandro Gaffo

Em Setembro de 2004 , realizamos, eu e o Professor Mariano Caccia Gouveia, meu colega de departamento e amigo, um trabalho de campo para o Parque Estadual da Serra do Mar no Núcleo Picinguaba em Ubatuba, onde ficamos com nossos alunos do primeiro ano do curso de Geografia da Fundação Santo André. O objetivo era fazer uma análise do meio físico e da história do parque e sua relação com a população lá residente e que foi removida dali quando de sua instalação. Como já realizávamos esse roteiro há alguns anos, parecia em certos momentos que nada de novo poderia advir dele. No entanto, no domingo pela manhã, quando realizávamos uma já tradicional aula de campo junto à foz do Riacho da Paciência, na Praia da Fazenda, pude prestar mais atenção em uma das falas sobre biogeografia feita pelo professor Mariano e que os alunos atentos, buscavam acompanhar.

Em frente a um matacão granítico de cerca de dois metros de diâmetro, ele discorria sobre os processos de ocupação feita por plantas e pequenos animais sobre aquele bloco rochoso. Dizia ele: “O ambiente oferecido pela rocha à instalação da vida é altamente seletivo, já que a insolação direta, as altas temperaturas, a elevada salinidade e a quase inexistência de matéria orgânica inviabiliza a ocupação por parte de organismos complexos e mais exigentes. Por isto, há uma sucessão ecológica característica desse tipo de ambiente, sendo que os primeiros organismos a se instalarem são os liquens e fungos que, sendo menos exigentes e mais adaptados às dificuldades do local, criam condições para que outros seres mais complexos colonizem aquela área, já que fornecerão matéria orgânica e uma maior retenção de umidade. Quando isto ocorre, estes novos seres (briófitas e pteridófitas) começam a formar sombra, o que acaba por expulsar os antigos moradores (liquens e fungos) que vão deslocar-se para áreas mais remotas onde as condições são iguais àquelas anteriores. Por sua vez, as briófitas e pteridófitas vão desenvolver condições ainda mais favoráveis à instalação de outros vegetais superiores (com sistema vascular) e estes, quando para aí vão, expulsam também os antigos inquilinos.”

Quando ouvi esta fala pus-me a pensar sobre o processo natural de sucessão ecológica envolvido naquele exemplo tão didático.

Lembrei-me, então, de minha área de estudo durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de São Paulo quando estudei o processo de ocupação da Cratera de Impacto de Colônia em Parelheiros São Paulo. Foi inevitável estabelecer relações e comparações entre os dois processos.

A população que hoje ocupa uma borda da cratera, aí se localiza, pois há alguns anos eram favelados na região do Grajaú e formaram uma associação de moradores, poupando dinheiro para comprar uma gleba de terra onde pudessem se instalar. No entanto, não havia naquele momento uma área desse tipo. Todas as áreas próximas a São Paulo já haviam se tornado área de proteção de mananciais, e aquelas dentro do centro urbano com condições menos precárias tinham preços muito elevados ou já estavam destinadas às indústrias ou à especulação imobiliária. Sendo assim, o grupo decidiu comprar a área da cratera, mesmo sabendo que, embora a compra fosse legal, pois é feita no nome da associação de moradores, o parcelamento seria ilegal já que pela lei de mananciais, não poderia ocorrer com lotes menores que 500 metros quadrados.

Isto ocorreu nos anos 80 e hoje, após reivindicarem e construírem escolas, acesso de ônibus, posto médico, policiamento, ou seja, após se tornarem efetivamente cidadãos reconhecidos como tal pela cidade, assistem a um processo de ocupação da própria área que ocuparam com tanto esforço, por uma população de renda mais alta, já que devem, agora, pagar impostos, água, luz etc. o que, para muitos, inviabiliza sua permanência aí. Os que saem, têm de procurar uma outra área com condições tão precárias quanto aquelas encontradas inicialmente na cratera.

Isto poderia ser considerado um caso ao acaso, não fossem os dados que apontam que esse processo é extremamente freqüente não apenas em São Paulo, mas nas grandes cidades brasileiras e do mundo como aponta o professor Milton Santos. Segundo ele, as cidades crescem mediante esse processo que atende às necessidades do capital especulativo, incorporando e reservando áreas vazias dentro do centro urbano a partir do esforço das populações menos exigentes que se deslocam para áreas mais remotas e são, com o tempo, substituídas por populações de um poder aquisitivo superior.

Quando me dei conta destas semelhanças, não pude evitar comentá-las com os alunos que participaram da discussão que se seguiu, e que permanece ainda hoje em minhas aulas, sobre as relações possíveis entre os processos naturais e sociais. Para o professor Milton Santos, não há mais paisagens naturais posto que toda a natureza foi apropriada pelo homem, pois ainda que ele não tenha efetivamente estado em algum lugar dito natural, suas intenções estiveram.

A discussão sobre o que é natural e o que é artificial é muito antiga e não é intenção desse trabalho esgotar o assunto, no entanto, diante das semelhanças na questão dos processos que apontei no exemplo acima, não posso deixar de pensar que esse limite entre homem e natureza não pode ser tão facilmente traçado.

Se buscássemos realizar um histórico da noção de natureza através dos tempos, veríamos que ela não foi sempre a mesma, sendo, aliás, uma questão de relevância apenas para o mundo ocidental já que ela nasce com a filosofia no mundo grego antigo, quando, pela primeira vez, o homem formula a noção de physis (natura em latim) que demonstra uma preocupação com a necessidade de entender do que o mundo é feito e não mais com sua origem. Nasce assim também a ciência que será, desde então, o método e o instrumento de investigação do mundo físico (ou natural) . Porém, nesse momento não havia uma cisão clara entre homem e natureza, isto foi sendo construído ao longo do tempo. Aristóteles faz um esforço nesse sentido quando confere “almas” diferentes aos seres vivos (vegetais, animais e o homem) , onde o homem contaria com uma alma dotada daquelas conferidas aos animais e vegetais e ainda acrescida de racionalidade, de onde vem a idéia ainda hoje corrente de que somente o homem é dotado de razão. Na idade média esta questão perde importância, na medida em que o pensamento se volta para a investigação sobre a origem do mundo a partir de um paradigma judaico-cristão. É somente no renascimento que o assunto volta a fazer parte das preocupações científicas com uma redescoberta do conceito de natureza e de história. Nicolau Copérnico, Pietro Pomponazzi, Giovani Pico, Paracelso, Cornélius Agrippa, Giordano Bruno, Galileu Galilei, são alguns dos que se dedicaram a esse processo de transformação no modo de ver o mundo e que marca também um renascimento da razão. Segundo Cassirer, foi tomando consciência de si mesma que a razão pode conduzir o desenvolvimento da ciência moderna, criando uma visão de mundo a partir do reconhecimento dos limites de si mesma. Ainda Segundo Cassirer, pouco depois, René Descartes dá o primeiro passo na direção da autonomia e da autarquia da razão quando separa corpo e alma em substâncias diferentes, enquanto Immanuel Kant, já no século XVIII, é o final do processo, eliminando a necessidade de substancializar a razão. Para esse autor, o conceito de natureza vai se moldando a partir do que era a ciência natural renascentista (Astrologia, Alquimia, Magia), ou seja, fundamentalmente superstição (para os opositores modernos), mas onde ainda convergiam pensamento e extensão (ao contrário do pensamento cartesiano). Além disto, a modernidade elegeu a causa eficiente (a mais próxima da existência do fenômeno) como critério único da ciência, já que recorrer às causas finais seria retornar ao organicismo. Assim começa a distinção entre o que pode ou não ser considerado ciência. Givani Pico, por exemplo, afirmava que a astrologia não era um conhecimento confiável, pois se vale de uma causa oculta (final) que não é possível conhecer. Os efeitos dos astros só podem ser conhecidos da terra por suas causas eficientes (luz e calor). Ele também propõe um novo conceito de homem que participa e se distancia do cosmo. O homem não tem uma essência determinada, pois possui a essência de todas as outras criaturas, ou seja, pode ser qualquer elemento da natureza, transforma-se no ser mais baixo como um verme ou eleva-se até os anjos, ele não é mais parte do universo, se afasta do mundo e assim encontra sua “verdadeira natureza”, objetivando o mundo.

Portanto, podemos ver que esse distanciamento entre homem e natureza trata-se de uma construção da razão, necessária a sua autonomia e constituição, ou seja, nem sempre se considerou a natureza como ela é vista a partir da modernidade e mesmo durante esse período, houve vozes contrárias a essa visão. Baruch de Espinosa, por exemplo, ao equivaler os conceitos de natureza e Deus como sendo manifestações da mesma substância, provoca uma reviravolta nessa independência da razão humana. O homem espinosano é feito da mesma substância de Deus, ou seja, ele é Deus e é natureza, devendo desenvolver, sim, sua autodeterminação, mas que não envolve uma separação da natureza, ao contrário, seria a realização plena dela, como um desdobramento natural (semelhante ao atual conceito de evolução).

A revolução científica do século XVII pode ser interpretada como a substituição de imagens de natureza e de ciência da Antiguidade, assimiladas, transformadas e transmitidas pelo período medieval, por novas imagens. Tais imagens são designadas por Paulo Abrantes como mecanicismo e dinamismo. Na primeira, os conceitos são novos e oriundos do esforço moderno de matematizar e geometrizar o mundo e interpretá-lo a partir de símbolos e abstrações, já na segunda são conceitos herdados da Antiguidade para o mundo Moderno através do Medioevo e do Renascimento, como o de substância que Leibniz recupera do pensamento escolástico, corrigindo os exageros de críticas impostas pelo mecanicismo.

O conceito Moderno de Natureza adveio da distinção entre cosmologia – representações mais totalizantes, que buscam leis gerais e princípios universais com um caráter atemporal – e história natural – que busca aspectos singulares, narrativas do que são as coisas da natureza e tem uma relação fundamental com o tempo.

Assim como a idéia de cosmo como um grande organismo vivo esteve presente em todos os períodos da história grega e qualquer tendência divergente, tal como a teoria atômica não firmou-se como paradigma, na modernidade o modelo mecanicista obteve mais sucesso que o organicista, apesar deste reaparecer na segunda metade do século XVIII como crítica àquele.

O próprio conceito de natureza para a Grécia Antiga, trazia em si uma relação profunda entre movimento ordenado, alma, razão e vida.

A “natureza”, princípio do desenvolvimento de um ser é, com efeito, uma noção de origem vitalista e animista. Nesse sentido, a palavra latina natura liga-se à raiz nasci (nascer) e significa em primeiro lugar: acção de fazer nascer, crescimento, sendo a “natureza” de um ser um sentido derivado e figurado deste primeiro sentido. Aliás encontramos uma origem muito semelhante em grego ǿνσς de ǿνέІν (physis), engendrar. Lembremo-nos também de que a Natureza, conjunto das coisas, não passa de uma extensão ao todo desta explicação vitalista da produção dos indivíduos – daí a idéia comum na Antiguidade de que a Natureza é uma imensa coisa viva e um ser inteligente.

O cosmo organicista foi constituído a partir de estruturas e processos particulares e locais a uma estrutura e um processo global. Havia um animismo presente nessa organicidade.

Estas considerações talvez possam tornar mais claro o sentido da exploração que Cassirer realiza em seu estudo da redescoberta dessa imagem organicista de natureza no Renascimento. Elas permitem mostrar que a fecundidade heurística da visão orgânica para a solução racional de problemas centrais da filosofia – o vivente como grande paradigma – não foi apenas um recurso primitivo posteriormente substituído por outras imagens mais aptas a incorporar formas cognitivamente mais poderosas de racionalidade, aquelas que conduziram às teorias científicas atuais, a saber, a imagem mecanicista. Tal visão produziu efetivamente uma forma de ciência possível no interior de estratégias distintas daquelas que os modernos viriam a escolher para desenvolver a ciência matemática da natureza.

A dificuldade que temos em conceber atualmente uma imagem de cosmo orgânico é resultado de uma oposição entre orgânico-vivo-animado e inorgânico-bruto-inanimado que nasce no bojo da noção de natureza e de ciência moderna, talvez derivada do dualismo mecanicismo-vitalismo que se desenvolveu, sobretudo, nos séculos XVIII e XIX.

O cosmo pode ser considerado como um organismo tanto estruturalmente como funcionalmente. Estruturalmente ele poderá ter a figura de um organismo, havendo a identificação entre os órgãos e as partes do mundo. Mas a morfologia interna pode ser tomada não apenas em relação a órgãos definidos, mas também em seu caráter integrativo das partes entre si e em relação ao todo. Assim, transferimos a analogia das estruturas aos processos, da morfologia à função fisiológica – como na “respiração” e na “nutrição” do mundo, nos fluxos de elementos, nos ciclos sazonais, que mantém sua harmonia, integridade e estabilidade dinâmica.

Portanto, recuperando a noção de organicidade da natureza, talvez não seja um absurdo analisar os processos sociais e compará-los aos processos do restante da natureza. Em outras palavras, talvez a discussão sobre o homem e seus processos serem ou não naturais e sobre a existência ou não de uma natureza propriamente humana, não sejam tão emergenciais quanto a revisão de paradigmas perspectivas de análise.



*PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Disciplina: Grandes Temas da Religião: Natureza Humana

Prof. Dr. Eduardo Rodrigues da Cruz

Aluno: Leandro Gaffo

Nível: Doutorado

2 comentários:

Fabiana disse...

Essa discussão não somente se agrega e é presente em suas aulas, como eu Leandro também a faço, uma vez que fui testemunha ocular dessa fala. Este trabalho de campo que você cita em seu texto mudou a minha vida e o que um dia felizmente fui sua aluna, hoje me tornei sua colega de trabalho e amiga.

Eternamente grata serei por me mostrar a Geografia.

Bertz - Turma do Bacharel - Unicastelo disse...

Nossa, tive que imprimir isso para ler! Deu até saudades do grande amigo, professor Mariano, o nosso gnomo da Geografia .Com certeza Leandro, suas aulas são psicologias da Geografia, nos deixam preocupados! A partir desta idéia, ficamos contaminados e nunca mais fomos os mesmos no primeiro ano que esteve conosco na Fundação Santo André ao lado do Mariano com suas aulas aos sábados á tarde. Essa é a verdadeira explicação de que o aluno quando entra no universo da Geografia e vai aos trabalhos de campo, ele não sai do mesmo jeito que entrou... sai disposto a fazer alguma pelo fato de ser um dos primeiros impactos de mudança dentro de si mesmo ao se deparar com mudanças de processos externos da Geografia.

Esse é o Leandro!