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sábado, 30 de janeiro de 2010

Símbolos religiosos e Estado laico

Valor Econômico

Cláudio Gonçalves Couto
28/01/2010

Na França, uma comissão parlamentar recomendou, no dia 26 de janeiro, o banimento da burca e do nicab, duas vestes muçulmanas que recobrem todo o rosto, ou mesmo todo o corpo das mulheres. Inicialmente, a intenção dos aliados do presidente Nicolas Sarkozy era a de proibir o uso de tais vestimentas em qualquer espaço público, mas diante do receio de que tal interdição fosse considerada inconstitucional, optaram por restringir as vestes apenas nos serviços governamentais franceses (edifícios e transporte), sob pena de que suas usuárias não poderiam ser atendidas caso seus rostos estivessem recobertos. Para dissimular a discriminação com relação às muçulmanas, formalmente a proposta interditou o uso de "máscaras ou disfarces" nas repartições estatais.

Segundo Sarkozy, "A burca não é bem-vinda em território francês", pois torna as muçulmanas "prisioneiras por detrás de uma grade de tecido". Além disto, uma lei em vigor desde 2004 proíbe o uso nas escolas públicas de quaisquer símbolos religiosos - burcas, nicabs, quipas ou crucifixos. Para que se note o ridículo de medidas deste gênero, imagine-se a seguinte situação: um jovem punk que use um corte moicano pintado de rosa-choque não terá qualquer problema para assistir às aulas, mas uma bem mais discreta jovem gótica, que utilize brincos de crucifixo, poderá ser impedida de assistir às aulas. Afinal, o primeiro não ostenta símbolos religiosos, mas a segunda sim.

No Brasil, a proposta do Programa Nacional de Direitos Humanos, de banir das repartições públicas símbolos religiosos, suscitou a seguinte declaração do secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, ao site do jornal "O Globo" (08/01/2010): "Daqui a pouco vamos ter que demolir a estátua do Cristo Redentor, no morro do Corcovado, que ultrapassou a questão religiosa e virou símbolo de uma cidade. Impedir a presença desses símbolos é uma intolerância muito grande. É desconhecer o espírito cristão e religioso da tradição brasileira. (...) absolutamente não tem vínculo com direitos humanos. É a infiltração de uma mentalidade laicista no texto. Direitos humanos é ter liberdade religiosa." Vai no mesmo sentido argumento tecido por Frei Antônio Moser em artigo: "Tentar remover símbolos religiosos, sobretudo no contexto do Brasil, é tentar arrancar sua alma e sua brasilidade. Pois por mais que isto possa desagradar a uns poucos setores da sociedade, convém recordar que o Brasil nasceu aos pés da cruz, quando da primeira Missa celebrada por Frei Henrique de Coimbra. A remoção de símbolos religiosos se constituiria afronta não só religiosa, mas também cultural ao nosso povo. O Brasil, que no início foi batizado com o expressivo nome de ´Terra da Santa Cruz´, não se entenderia a si mesmo sem seus símbolos religiosos e as manifestações de fé de sua gente" (http://noticias.cancaonova.com).

Os argumentos de Sarkozy, de um lado, e dos religiosos brasileiros, de outro, revelam duas formas distintas de insensatez (ou, talvez, desfaçatez). No primeiro caso, a pretensão de garantir o caráter laico do Estado, ou pior, a suposta liberdade das mulheres muçulmanas, esbarra na imposição a estas de uma violência: serão impedidas de se trajar de uma forma que muito provavelmente elas próprias consideram a única moralmente aceitável. Seria como despi-las em público contra sua vontade, alegando ser esta uma forma de libertar-lhes. É provável que, impedidas pelo Estado de recobrir seus rostos em nome de sua "liberdade", sejam proibidas pelos maridos de sair de casa para evitar o risco de uma "indecente" exposição pública. Aqui, em nome da laicidade do Estado, aniquila-se a liberdade pública de seus cidadãos. E o fato de serem poucos (ou poucas) não altera nada.

O argumento dos religiosos brasileiros é igualmente perverso. Nossa história se caracteriza pela simbiose entre a Igreja Católica e o Estado, mas isto não justifica a perda do caráter laico que esse mesmo Estado assumiu com a República e, principalmente, com a democratização do país. Ao longo da história esta simbiose significou a opressão aos que não professavam a religião oficial do Estado. A Constituição de 1824, por exemplo, estabelecia: "A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo". Ou seja, tivemos no Brasil monárquico como norma constitucional algo similar que hoje na Suíça se institui por meio da proibição à construção dos minaretes islâmicos. Isto realmente é história e faz parte de nossa trajetória, mas as liberdades públicas avançaram muito desde então.

Portanto, embora seja plenamente justificável com base no interesse público a destinação de recursos públicos para a restauração de um templo de valor histórico, nada justifica um crucifixo seja ostentado num tribunal ou numa casa legislativa que lidam com os interesses de cidadãos de diferentes crenças (inclusive os sem qualquer religião). A ostentação de tal símbolo parece indicar que as decisões ali tomadas terão por base os preceitos da religião representada por ele, o que não é aceitável num Estado laico e respeitador do pluralismo de crenças. Apelar à tradição para justificar isto é supor que o hábito cria o direito, algo inadequado em democracias e repúblicas, fundadas na razão. Que tal assunto tenha emergido também no Judiciário indica que avançamos neste ponto.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP.

E-mail claudio.couto@fgv.br


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